Ref. CEVASCO, Maria Elisa. “Questões de Teoria: o materialismo cultural”. In Para ler Raymond Williams
Raymond Williams, nascido em uma comunidade rural em Pandy, foi o responsável pela formação do termo “materialismo cultural”. Ressalta que sua origem humilde e consequente transferência para Cambridge foi um ponto marcante na formação de seu pensamento diferenciado, e lembra-nos que prefere o uso de dois sentidos da palavra cultura. O primeiro deles trata da designação de um modo específico de vida, e o outro se refere à cultura como sinônimo das artes e do aprendizado como esforço e descoberta. A cultura é um patrimônio de todos, que engloba todos os modos de pensamento.
Porém, com o tempo, o sentido de cultura como forma de diferenciar determinado padrão social ou mesmo as artes acaba perdendo-se. A crítica que surge e o regime democrático do pós-guerra gravam no senso comum o sentido de cultura como “modo de vida”, a exemplo do “American way of life” que pode ser entendido como “cultura americana”. Surge então a chamada New Left britânica, apoiada no marxismo oriental, criticava o capitalismo e liderava um movimento esquerdista em plena Inglaterra, em uma das sociedades mais conservadoras da Europa. A New Left passa a dedicar-se ao objetivo de “formar socialistas”, atuando na educação, análise teórica e propaganda.
Raymond Williams, em seu primeiro livro, trata a cultura como uma prática social recorrente nas interações entre as pessoas. Pode possuir significados específicos, uma vez que manifesta-se de maneira diferente de acordo com o ambiente, história, sociedade, etc...Surge aí um espaço fundamental para a política. Fica evidente em sua primeira obra os sutis traços de um moderno capitalismo que já se avistava: a cultura pode ser compreendida como espaço de dominação, vendo a forma mercadoria apropriar-se de seus produtos.
Oriundo da crítica literária, vemos conceitos de T.S. Eliot tomarem forma e espaço na ativa discussão sobre cultura. Propõe-se conceber a cultura como um modo de vida, também compreendida como uma reação da sociedade para os estragos vindos da revolução industrial, uma busca por refúgio após as mudanças estruturadas na sociedade. Com o tempo esse conceito foi sendo abstraído e o termo ganhou mais autonomia, distanciando-se do objeto, do material. É justamente esse conceito que Williams quer derrubar, propondo cultura como um todo um modo de vida.
Thomas Stearns Eliot, acolhido pelo Estado do Bem-Estar Social e conservador puro, acredita que a cultura tem um crescimento natural e não necessita da interferência humana. O que nós podemos fazer é cuidar para que as mudanças não ocorram, entrando em benefício da continuidade. Devemos resgatar o que se perdeu antes do industrialismo, pois esta era a verdadeira essência cultural. Acredita ainda que a sociedade deveria ter um papel atuante em diversas atividades culturais, dividindo-se por níveis sociais (grupos, classes e elites) Deve-se recuperar a noção de classe e suas consequentes funções, algo que se perde na nova forma da sociedade pós-revolução industrial. O papel de manter essa distinção estaria nas mãos das elites, as quais deveriam também liderar a sociedade.
Logo que Eliot afirma a existência de diferentes níveis de consciência cultural, Williams se precipita em argumentar contra a concepção de uma cultura universal, comum, idêntica a todas as classes. Mas se desafia a encontrar a ligação existente entre “cultura e sociedade”. Deve-se, neste ponto, compreender a cultura como estudo das relações dos elementos componentes do todo, da vida em sociedade. A Hegemonia surge como uma força ativa, dominadora, jamais estática, que mantem o que está sendo proposto em sociedade, mas cria brechas para sutis mudanças. A hegemonia busca englobar tudo aquilo que surge, como objetos emergentes.
A fim de explicar a relação que surge entre experiência, consciência e linguagem, de maneira formal nas artes, Williams cria o termo que chama de “estrutura de sentimentos”. Sua função seria argumentar contra as análises formalistas e sociológicas, uma vez que a primeira, limitada pelas questões históricas, falha em demonstrar como as convenções e formas não surgem de processos internos ao artista ou produtor, mas em motivações nem sempre artísticas. E a segunda, pautada em formas limitadas pela concepção pré-estabelecida de “vida e idéias”, abandona a análise de elementos não condicionados em suas fôrmas habituais. A estrutura de sentimento surge nesse contexto, ao mesmo tempo em que busca compreender a obra de arte através de sua experiência, englobando mudanças que também atuam na organização social.
O materialismo cultural, compreendendo-se que cultura é produção, não a considera como mero objeto, mas práticas sociais. A análise materialista busca compreender as condições para a existência dessa prática, as partes que formam o objeto artístico. Williams, em seu livro Television, Technology and Cultural Form(1974) consegue compreender os novos meios de comunicação e transmissão (TV, cinema, rádio...) como parte do primeiro passo para a construção de uma democracia participativa
Nos anos 70 uma nova forma de idealismo ganha forças: o dito “giro linguístico”, que traz a linguagem como sendo autônoma. Assim, a linguagem é posta como principal agente das mudanças sociais, trazendo de volta a compreensão de que a cultura e as artes estão presentes em um mundo autônomo. Foi esta a base para a formação de Saussure a respeito da langue e parole.
Williams, por fim, lembra-nos da necessidade de continuar o trabalho de Marx, principalmente nas partes em que não foi capaz de desenvolver as idéias completamente, como a história social e material dos meios. Williams objetiva preencher as lacunas deixadas nas obras marxistas e encontrar assim um meio de permitir à tradição responder as mudanças da organização social. Mas infelizmente Williams, assim como Marx, é raramente compreendido, sendo subestimado e esquecido pela história em graves momentos.
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
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